"O estigma que se criou à volta deste procedimento é curioso. Pelo menos na minha perspetiva. Os outros cursos de saúde continuam a repudiar este ato e fazem dele objeto de troça. As pessoas cerram os lábios e fazem cresceras narinas, como se de algo horrível se tratasse. Cada vez que tocam no assunto, riem e gozam com a maior das indiferenças.
Naturalmente que limpar um cú não é um procedimento difícil e qualquer analfabeto o pode fazer. Mas não seria igual.
Qual será a primeira impressão que a pessoa tem do trabalho do enfermeiro? Não fosse esta uma pergunta retórica, aquilo que mais se ouviria seria “Dar vacinas” e “Faz higienes”. Francamente, esta ideia tão limitada que ainda subsiste tão viva na população, não está certa e não está errada, porém, leva a pensar num trabalho leve, fácil e pouco desgastante dos enfermeiros.
Decerto que qualquer comum dos mortais se gabaria do facto do individuo licenciado com tão prezado conhecimento lhe limpar o cú, com a maior alegria e simpatia. Porém, aquilo que não sabem, e que os tão bem rotula, é que o cú foi observado e as fezes foram avaliadas. São tão ingratos que nem percebem que os substituímos numa das tarefas mais íntimas do ser humano, a higiene. Talvez não saibam que é um parâmetro tão importante que ao ponto de ser registado diariamente.
Fui eu, tão estimado Sr. Enfermeiro, que coloquei a fralda e as manápulas sujas no contentor, mas também fui eu que alertei a nutricionista sobre a sua alimentação e também fui eu que abordei o médico sobre a sua diarreia, e da possível troca do antibiótico. Era eu, que após tantas intervenções e preocupações, todos os dias, continuava de volta das suas fezes e digníssimo cú, à espera de resultados. Já viu!? Tantos profissionais trabalharam para sí, o doutor explicou-lhe a situação e alertou-o da mudança do antibiótico e a Srª Nutricionista referiu-lhe a mudança da alimentação. E eu? Limpei-lhe o cú!...
Sabe quantos doentes diferentes me passaram pelas mãos? Quantas personalidades e quantos corpos. É por isso que já sou mestre na comunicação e guardo a sua privacidade como se fosse a minha, todos os dias. E mesmo assim, o Sr. Doente põe o pé fora do hospital e ri, ri da minha profissão, opinando regularmente sobre assuntos que caem de boleia nos jornais que não percebem nada do assunto.
A doente A.G da cama 6 tinha dado entrada no serviço com o diagnóstico de pneumonia, mas eu vi-lhe uma fístula no cú! O Doente V.P da cama 15 tinha DPOC, mas eu prestei atenção na possível alteração hepática pela coloração das suas fezes. E você pergunta: “Ah! Como é que o Sr. Doutor adivinhou?” Pois, não adivinhou, foi o «limpa cús» que lhe disse!
Aposto que da próxima vez, espero que não seja para breve, quando for internado, vai desejar fugazmente que seja o Sr. Enfermeiro a limpar-lhe o cú!
Um bem haja a todos aqueles que enchem a boca para desdenhar do que não percebem, não fazem e não sentem a enfermagem."
By Hélder Teixeira
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